A Influência Bantu na Umbanda
Por: Pai Alexandre Falasco

Como o encontro de culturas moldou a espiritualidade da Umbanda
A influência Bantu e Ameríndia na Umbanda que praticamos no Barracão de Pai José de Aruanda é uma parte essencial da nossa identidade espiritual, refletindo o encontro e a fusão de culturas que deram forma à religião brasileira que conhecemos hoje.
Os Povos Bantu e sua Chegada ao Brasil
Os povos Bantu são originários da África Central e Austral, abrangendo uma vasta região que inclui países como Angola, Congo (República do Congo e República Democrática do Congo), Moçambique, Zâmbia e Zimbábue. O termo "Bantu" não se refere a um único povo, mas a um grande conjunto de etnias que compartilham raízes linguísticas comuns, conhecidas como línguas bantas.
Os primeiros povos Bantu chegaram ao Brasil no início do tráfico transatlântico de escravizados, no século XVI, cerca de 100 anos antes da chegada mais expressiva dos povos Iorubá, oriundos da região da atual Nigéria. Isso significa que os Bantu tiveram uma influência inicial e profunda na formação das práticas culturais e religiosas no Brasil. Eles trouxeram consigo suas crenças, tradições e, especialmente, o culto aos Nkisi (divindades do Candomblé de nação Angola e Congo), além de elementos como o uso de ervas, ritmos, danças e a comunicação com os ancestrais.
O Encontro dos Povos Bantu com os Povos Originários no Brasil
Ao chegarem ao Brasil, os povos Bantu encontraram as populações indígenas, que já habitavam essas terras há milênios. Esse encontro deu origem a uma rica troca cultural, especialmente nas regiões Nordeste e Norte do Brasil, onde elementos das práticas espirituais e culturais desses povos convergiram. Tanto os Bantu quanto os povos originários compartilham a ideia de uma forte conexão com os ancestrais e com o mundo espiritual, além do uso ritualístico de elementos da natureza, como ervas, fumo e maracás.
É desse encontro que emergem tradições como a Jurema Sagrada e o Catimbó, práticas que fundem elementos dos dois povos e que também incorporaram influências europeias, como o catolicismo, durante o período colonial.
A Jurema e o Catimbó
A Jurema Sagrada e o Catimbó são tradições espirituais brasileiras que se desenvolveram principalmente no Nordeste do Brasil. Elas são exemplos vivos de como o encontro entre as culturas Bantu, indígena e europeia gerou práticas únicas e profundamente enraizadas no contexto brasileiro.
- Jurema Sagrada: Originária dos povos indígenas do Nordeste brasileiro, a Jurema Sagrada é centrada no culto à árvore da jurema (Mimosa tenuiflora), utilizada em rituais para comunicação com o mundo espiritual. Os povos originários utilizavam a bebida feita da casca da árvore em cerimônias que envolviam cantos, danças e o uso de cachimbos. Durante o processo de colonização, essas práticas incorporaram elementos africanos, como a relação com os Nkisi, e europeus, como a inclusão de santos católicos.
- Catimbó: O Catimbó, cujo nome deriva das línguas tupi-guaranis e significa "fumaça de mato" ou "vapor de erva", é uma prática espiritual que também surgiu no Nordeste. Ele utiliza o fumo e plantas sagradas, como a jurema, em rituais que buscam conexão com os "mestres" ou "encantados" ? entidades espirituais que guiam e orientam os praticantes. Assim como a Jurema Sagrada, o Catimbó é uma expressão da fusão de elementos culturais indígenas, africanos e europeus.
Influência na Umbanda
A Umbanda que praticamos no Barracão de Pai José de Aruanda é profundamente marcada por essas influências Bantu e ameríndias. Elementos como a comunicação com os ancestrais (pretos e pretas velhas), a conexão com a natureza (caboclos) e o uso de rezas, ervas e fumo para purificação e proteção são heranças diretas dessas tradições.
Embora os elementos Iorubá (como os orixás) sejam mais evidentes na Umbanda, é importante lembrar que isso se deve à chegada tardia dos Iorubás ao Brasil, por volta do século XVIII, em comparação aos Bantu, que chegaram já no século XVI. Se por um lado os modelos Iorubás ficaram mais perpetuados e conservados, esse maior espaço de tempo permitiu que as tradições Bantu se fundissem mais intensamente às culturas locais, criando uma base cultural e espiritual que influenciou posteriormente a própria formação da Umbanda. (lembrando que os Iorubás não creem na comunicação com os mortos "eguns" e os bantu sim).
Os Nkisi e os ancestrais dos povos Bantu se entrelaçaram à sabedoria dos povos originários brasileiros, ajudando a formar a rica herança espiritual que hoje celebramos no Barracão. Esses elementos estão presentes nas giras de caboclos, pretos velhos e baianos, refletindo a diversidade e a profundidade das tradições que fazem parte da Umbanda.
A Umbanda é, assim, uma religião de síntese, que honra as influências africanas e ameríndias enquanto incorpora outros elementos culturais. Celebrar essa diversidade é reafirmar a resistência e a riqueza espiritual dos nossos ancestrais, perpetuando seus ensinamentos em nossa prática cotidiana.
- Por Pai Alexandre Falasco