A l’Ògún Mejé Iré
Ogum se divide em Sete na cidade de Irê
Nas religiões de matriz africana, a transmissão de conhecimento sobre o Culto a Orixá sempre foi oral e de pai para filho, e ela sempre se dava por meio dos itãs (àwọn ìtòn), lendas que recontam os feitos dos Orixás e como Eles se relacionam entre si, cujas características de personalidade na realidade refletem àquelas dos próprios filhos de Orixá, sendo assim utilizadas para ensinar aos mais novos a melhor maneira de lidar com os defeitos e qualidades que geralmente compõem o arquétipo, o conjunto de características singulares para o filho de cada divindade.
Além disso, são nos itãs que buscamos a explicação para vários fundamentos da religião, de modo que nossa prática não seja justificada tão somente pela afirmação de que “não existe um porquê, sempre foi assim”, ou ainda, que o real motivo do fundamento foge à nossa compreensão por “falta de preparo”.Ou pior, que a prática se baseie em puro “achismo”, sem algo que lhe dê embasamento real pela tradição.
Existe um itã, por exemplo, que explica a ligação de Ogum com o número sete: Conta-se que Ogum vivia com Oyá, e que esta sempre o auxiliava em seu ofício, sempre soprando o fole que avivava as chamas da forja. Eis que Xangô, irmão de Ogum, também morava na mesma aldeia, e apreciava observar o trabalho de seu irmão. Nessas visitas, Xangô passou a notar Iansã, e o interesse foi mútuo, ao ponto de, um dia, Oyá fugir com Xangô para longe de Ogum.
Ogum saiu no encalço dos dois e, após lutar com Xangô, se aproximou de Oyá. Anteriormente, Ogum havia presenteado Oyá com um bastão que dividia os homens em sete partes e as mulheres em nove, e ambos usaram esse poder um contra o outro. Foi então que Ogum dividiu-se em sete partes, recebendo a alcunha de Ògún Mejé, e Oyá dividiu-se em nove partes, sendo dali em diante chamada de Iyá Mesàn, a Mãe que se dividiu em nove.
Apenas nesta passagem, temos uma das explicações para a famigerada rivalidade entre Xangô e Ogum, além da relação intrínseca entre Ogum e Iansã com os números 7 e 9, respectivamente.
Tamanha é a importância dos itãs na teogonia iorubá, que as informações neles contidas refletem também nos orin, cânticos que recontam as passagens míticas, os feitos e características dos Orixás, chamados na Umbanda de Pontos Cantados. Isto se verifica neste conhecido orin de Ogum:
À l'Ògún Mejé Iré
Aláàda méji méji
Nós temos sete Ogum em Irê (cidade da qual Ogum é governante)
Ele é o Senhor das Duas Espadas
Existem, obviamente, outros inúmeros itãs que explicam a relação entre Xangô, Ogum e Iansã, além de Oxum e Obá, com quem ambos também foram casados, além de outras explicações para o nome-título “Iansã”, o que é perfeitamente natural e compreensível, já que na época da Escravidão, havia pouco contato entre as diferentes comunidades que se viam divididas e isoladas entre si propositadamente para evitar revoltas e insurreições, acarretando em explicações diferentes para os mesmos fundamentos, conforme o entendimento dos mais velhos naquela comunidade. Mesmo o sincretismo entre os Orixás e os santos católicos não era homogêneo e unificado, de modo que alguns Orixás acabaram sendo identificados com diferentes santos, dependendo da região.